sábado, 5 de dezembro de 2009

Sobre chatos e vizinhos



Nos encontramos na esquina. Eu, a caminho do supermercado; ela, de volta. Ao passar por mim, a pequena senhora – com menos de metro e sessenta de altura e mais de 80 anos de idade, disse de novo: “A boca não pára, toda hora tem que comprar um trem!” O sotaque mineiro destacado na última sílaba.

Trem, que na verdade quer dizer outra coisa, quer dizer comida, basicamente. Víveres. “A boca não pára...”, completa ao passar por mim. Não consigo segurar o riso, o comentário da vizinha quebra o gelo da manhã sem graça. É como se dissesse: “É preciso fazer alguma coisa, precisamos sobreviver nesse mundo”.

Personagens de bairro, figuras que a gente vai se acostumando, pois sempre as encontramos naquela hora besta, quando estamos de calção e chinelo a caminho da padaria. Gente a quem não devemos satisfação alguma, mas que se dão ao trabalho de perguntar-nos: “Como vai?”

Mesmo mergulhados no mais absoluto mau-humor, esse tipo de comentário gratuito acaba por nos deixar mais leves, menos sisudos. Justamente no momento em que gostaríamos de passar incólumes, sem dar papo a ninguém.

Não podemos dizer o mesmo de outras situações e ambientes, como no trabalho, em casa ou na escola dos filhos. Nesses locais, nunca passamos despercebidos, e, no entanto, há dias em que faríamos de tudo para não sermos notados.

Existem vários motivos para essa reclusão voluntária. A chatice é um deles, em todas as suas nuances e variações de intensidade. Há os chatos que se aproximam da gente por interesse, por exemplo, gente que acha que pode ser dar bem a todo instante, como se isso fosse possível.

Esses geralmente estão no ambiente de trabalho. Acham que qualquer situação é oportuna para “ganhar uns pontinhos”, mostrar serviço, “assinar” determinada atitude, frase, ação, ou algo que lhe renda um “Puxa, que bom”, dito por alguém hierarquicamente superior. São os famosos e onipresentes puxa-sacos.

Tem gente que é chata mesmo, já nasce assim. Esse tipo de chato costuma ser da família ou é amigo, algum amigo próximo, e a gente praticamente é obrigado a conviver com eles. São “de casa”, não se incomodam de levar um corte, e mesmo ignorados permanecem onde sempre estiveram, por total falta de mobilidade social. Malas, enfim.

Finalmente chegamos aos chatos da escola dos filhos. Poderia ser aquele recreador mais animadinho ou a professora feia com ar de rigorosa – mas geralmente são os pais dos outros alunos. E o momento máximo da chatice na escola dos filhos acontece em ocasiões especiais, como o Dia dos Pais. Tudo bem, é legal estar ali com os pimpolhos e tudo, mas sempre tem aquele mico...

Não, não é o mico o chato em questão, nem a brincadeira em que você coloca um saco na cabeça e esbarra em todo mundo antes de encontrar o garoto. Essa até que é divertida. Duro mesmo é ter que conversar com gente que você não conhece (geralmente pessoas bastante diferentes de você), sobre assuntos que não lhe interessam (normalmente carro, futebol ou religião) , em um dia em que você poderia estar fazendo outra coisa, como um churrasco, por exemplo.

Mas a vida é assim, e temos que cumprir a agenda. Afinal, como diz a senhorinha que cruza comigo (ops) quase todo dia na esquina, “a fila tem que andar”. Nas palavras dela: “A boca não pára e toda hora tem um trem para comprar”.

2 comentários:

nubia disse...

Bom dia Marco



Concordo contigo, os mais chatos de
aturar são os pais de alunos.
Devo lhe confessar que sou atípica em quase tudo rsrsrsr
Sempre fui às reuniões da escola e nessas horas exercia o meu lado
porco espinho (adorava), sempre discordava das madames...a irmã Irene sentava sempre perto de mim para assistir rsrsrsrsr
E olha que eu sou um doce heim...
Beijossssssss

Marco Antônio Alves disse...

Quando escrevi, vivia circunstâncias peculiares. E resultaram nesse texto, mas em geral lido bem com essas coisas.

Valeu pela visita. Tchau