segunda-feira, 22 de novembro de 2010

TESTEMUNHA OCULAR



Estava lá e ouvi: “O Conca é o pior jogador do Fluminense hoje!” Incrível. O mesmo Conca, brasileiros e brasileiras, que agora domina as listas de melhor jogador do campeonato. E também vi o mesmo Conca, dez minutos depois do comentário acima, meter dois golaços no São Paulo e colocar o tricolor carioca de novo na liderança desse campeonato brasileiro que chega perto do fim com o Fluminense campeão.

Além da vitória gigante do Flu, a ida a Barueri, na grande São Paulo, é o pretexto desta crônica. Foram 35, 40 minutos de trem no leve balançar do velho vagão que vai dando um sooooooono na gente, impensável em uma ida ao estádio de futebol. Fico pensando em porque construíram aquele negócio, a Arena Barueri.

Havia um time lá, o Grêmio Barueri, mas que agora é Grêmio Prudente porque “mudou de cidade”, estabeleceu-se em outra freguesia. Em Barueri a mina secou. O time surgiu de uma parceria, destacou-se em um ou dois campeonatos anteriores, mas sem alma, tradição, um time dificilmente consegue existir sem dinheiro. Existe até sem torcida, mas sem dinheiro não rola.

Restou o estádio que só deve receber grandes jogos até a copa.

A Arena Barueri é de acesso complicado nas proximidades e fica a uma boa distância da estação Jardim Belval, por onde chegam muitos torcedores. Muita mais gente ainda vai de carro e perto não tem estacionamento suficiente. Torna perigoso até um jogo como esse em que o São Paulo não tinha mais chances e a torcida levou até faixa pedindo pra entregar o jogo.

Na saída, a torcida do Fluminense teve que esperar pelo menos uma hora para chegar até onde estavam os ônibus de caravanas e os vários estacionamentos - tipo feira onde se alugam barracas pra vender. No caso, aluguéis de pequenos galpões e garagens particulares estampadas em avisos, placas improvisadas e mal escritas, empurradas no gogó mesmo.

Tinha também os ambulantes tradicionais, vendendo suas camisas e bonés.

Mas isso a gente já conhece e não tem problema afinal cada um sabe o que está comprando e os caras precisam ganhar um dinheiro no fim de semana. Afinal vender nem sempre é roubar, apesar de algumas multis e a receita fazerem isso com a gente direto. Nada a ver com cambista, incluindo boizinhos de classe média comprando meia e vendendo a preço de inteira.

O estádio deve ficar às moscas em breve, mas tomara que alguém faça alguma coisa para impedir que apodreça, papel das lideranças locais, mas só vai acontecer algo de bom ali se a comunidade fazer-se representar de verdade, indo às reuniões e intercedendo nas decisões. E ‘olho vivo’ que tem gente que se vende baratinho.

Foi um aperto a saída do jogo...

Uma barreira do batalhão de choque se formou na saída acanhada da Arena de Barueri. A rua foi interditada. Depois de uma goleada de 4 x 1 sobre o São Paulo e a taça de campeão brasileiro de 2010 muito próxima das laranjeiras, a torcida cantava na saída do estádio e assim chegava na rua cercada pela polícia. A aglomeração era inevitável e mais gente chegava: crianças, mulheres, idosos, rapazes, meninas, adultos, bebês. Do lado da rua, um barranco de uns sete metros de altura de onde brotavam, é mais ou menos isso mesmo, as frágeis colunas que sustentam as pequenas casas.

Uns oito ou nove malandros corriam por ali e isso explica a primeira de várias correrias no entorno da lateral do estádio. Pelo portão de onde saímos só havia duas saídas possíveis. Bloqueadas porque a esta altura o barulho era na outra ponta do quarteirão. Ouvimos sons de bombas soltadas pela policiais, sinal de que a coisa não estava boa mesmo. Tinha um corintiano armado por perto.

Imaginem todas essas pessoas se espremendo na lateral do estádio a cada correria. Eu via os pais atarantados tentando reunir a tropa a cada sinal do alarme que era sempre aos solavancos. A linha de frente, formada pelos integrantes das “organizadas” do Fluminense tratava de engrossar ainda mais o caldo.

Policiais chegaram ao alto do barranco e perseguiram os caras que apareceram do nada. A polícia não liberava a saída e algumas pessoas entraram de novo no estádio forçando um dos portões para sair pelo outro lado. Hesitei. Fiquei onde estava sentei na grama perto da entrada arrombada. Neste tempo todo passou um filme na minha cabeça.


Como vai acabar?

Como em outras ‘roubadas’, ficava matutando nos meus filhos com medo de levar porrada e chegar ensangüentado, ir para um hospital e telefonar para casa avisando. Pensava naqueles pais e mães ali do meu lado.

Depois de mais uns 15, 20 minutos resolvi entrar pelo portão. Com esforço segurei a porta pesada e torta que permitiu a invasão presenciada pelos policiais e passei. Foi quando notei com o canto do olho que a barreira da rua finalmente era liberada. Segui pelo corredor e ainda passei pelo banheiro, onde joguei uma água no rosto. A rua estava movimentada, era noite e respirava aliviado no caminho de volta para casa.

Tinha o trecho até o trem e sentia um pouco de inveja do pessoal que saiu com a camisa do Fluminense no corpo. Como toda forma de amor, é um sentimento inexplicável esse nosso por um time de futebol. Mas bastou 5 minutos para ver uma moça e dois ou três rapazes sendo atacados covardemente. A moça caída no chão e os amigos se defendendo com bravura. A bronca acabou com a chegada de uma viatura da Guarda Municipal.

E a copa vai ser aqui...

Ir ao estádio no Brasil é uma aventura porque as autoridades se preocupam mais com o horário da transmissão do que com o torcedor. Nosso país avançou nos anos FHC e Lula, passou de coadjuvante a jogador, virou titular dos BRIC’s no Campeonato Mundial, mas está longe de entrar para o G4, o bloco dos melhores países do mundo.

Simples. Da janela do trem dava pra ver dois cenários perfeitamente distintos na tarde ensolarada de céu aberto que nos abençoou o domingo: de um lado as favelas compridas que acompanhavam a linha férrea. De outro, sobre uma imensa planície alguns quilômetros adiante cortada pela rodovia Castelo Branco, os prédios suntuosos de Alphaville.

Ao redor dessa paisagem, a maioria dos brasileiros vive como pode. Mora lá longe e trabalha, gosta de bebida, sexo, música e futebol – não necessariamente nessa ordem, e se arrisca nessa terra adorada, apesar dos pesares.