sábado, 12 de dezembro de 2009

A arte imita a história



Um tanto entediado pelo noticiário farto e cansativo, vasculho a internet – não em busca de novidades, mas para bisbilhotar a vida de personagens históricos. Escolho Tiradentes, talvez o nome mais facilmente lembrado entre as figuras brasileiras, praticamente um herói nacional.

Joaquim José da Silva Xavier, figura que qualquer pessoa no Brasil que possa ler este Literário conhece, viveu em Vila Rica, hoje Ouro Preto, e inspira conversas que ficam ainda mais saborosas nas subidas e descidas da bela cidade mineira.

Em Ouro preto conspira-se o tempo todo. É algo que está nas ladeiras, nos telhados, na expressão de alguns anjos barrocos, nos malandros das esquinas, no olhar das mulheres, nos agitos noturnos das repúblicas, nos bares, em todo canto.

Basta dar asas à imaginação, puxar um pouco pela memória e começar a olhar em volta. O lugar onde a cabeça de Tiradentes ficou exposta por mais de dois anos por conspirar contra o império português está lá, agora, como monumento ao mártir. Em volta, tudo permanece: o casario, as igrejas, as pedras das ruas.

E um mistério ainda paira pelas ladeiras, por mais de dois séculos: onde foi parar a cabeça de Tiradentes? Dizem alguns que está na casa de Bernardo Guimarães, poeta e contista fascinado por Ouro Preto, onde nasceu, viveu e morreu no século XIX. É dele o conto “A cabeça de Tiradentes”, que como poucos escritos, descreve, esplendidamente o modo de vida na cidade durante o período em que foi capital da província de Minas Gerais.

Tempos de fartura, época em que o ouro era abundante e mexia com a vida de todos. Tanto que era comum as negras se enfeitarem para os festejos dando brilho aos cabelos com a poeira dourada que sobrava das lavras. “...e edificaram mais de um templo magnífico com as migalhas de seus senhores.’ A leitura de Guimarães – o Bernardo e não o João, é uma breve e divertida aula.

A abundância em Ouro Preto agora é coisa do passado. O centro histórico está bem conservado, mas a cidade cresce de forma desordenada na periferia – como quase todo município de porte médio do interior do Brasil. Dos tempos de capital da província e berço da Inconfidência, Ouro Preto ainda cultiva o gosto pela cultura e a pluralidade de pensamento.

Museu e cenário a céu aberto, Ouro Preto foi palco da encenação em praça pública do martírio de Tiradentes, coisa de alguns anos atrás – a data não sei ao certo, mas o que segue aconteceu de fato e quem quiser e puder que ajude nos comentários.

Bem, a tal peça foi encenada em comemoração ao dia da Inconfidência, 21 de abril, e o roteiro foi fiel à história. Depois do enforcamento no Rio de Janeiro as partes do corpo do alferes foram mandadas para várias partes da colônia. A cabeça veio para Ouro Preto. A réplica usada pelos atores também foi colocada no mesmo lugar onde, em 1792, estava a cabeça enfiada em uma estaca, método usado para intimidar quem ousasse conspirar contra a coroa portuguesa.

Conta Bernardo Guimarães que a cabeça ali ficou por 2 ou 3 anos. À medida que o tempo passava, diminuía o interesse e a perplexidade por aquele símbolo da mão forte da coroa sobre a colônia. Em uma noite em que só estava a caveira solitária a se debater com o vento, enquanto o sentinela dormia, eis que um gaiato a rouba e o guarda só tem tempo de ver o vulto sumir na esquina da rua das cabeças – situada logo acima da praça.

Sim, rua das cabeças, como mais uma vez ensina o conto: “...a origem desse nome sinistro vem de que aí se fincavam na ponta de estacas as cabeças dos míseros enforcados pelas esquinas dos becos”. No alto da rua, diz-se que viveu um velho de vida reclusa e que, especula-se até hoje, seria o ladrão da cabeça verdadeira. Ao contrário das vizinhas, a casa onde viveu não ficou de pé para ajudar a contar a história.

Na peça, a cabeça feita de gesso também foi erguida na praça e ficou dia e noite sob a guarda de um sentinela. Não era ator, mas policial ou funcionário da prefeitura – não me lembro bem, mas isso não tem importância.

Ocorre que em um momento de descuido ou esquecimento mesmo, ninguém viu a cabeça sumir de novo! O caso gerou mal-estar, foram feitas investigações e buscas até a polícia encontrar um suspeito. No depoimento, o homem disse que não poderia mudar a história.

Como o personagem de Bernardo Guimarães, sabia onde estava a cabeça do mártir, mas não poderia dizer. E o caso foi encerrado sem que a cabeça falsa aparecesse. Assim como a verdadeira nunca apareceu.

Um comentário:

nubia disse...

Boa tarde


A História está povoadas de personagens...uns vale a pena
pesquisar e outros pode seguir em frente são tão efêmeros que só servem de pano de fundo.
Ouro Preto é uma cidade contrastante
mas, ainda linda com seu casario
antigo e suas ladeiras recheadas de
fantasmas...
Beijos Marco