segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O falso perfeito



Certa vez um vizinho disse estar satisfeito simplesmente por respirar. “Acordo e quando percebo que estou vivo, agradeço a Deus. O resto é lucro”. Assim como eu, ele tem filhos e obrigações como: pagar escola, aluguel, supermercado, farmácia.

Além disso, deve se preocupar com o futuro das crianças, todo pai se preocupa com os filhos. Daí ter as mesmas dificuldades que milhares de pessoas, mas... por quê ele não se queixa?

Também gostaria muito de chegar a esse estado de satisfação, completude, convencer-me de que está tudo bem, a vida é boa e que qualquer coisa diferente de estar feliz por estar vivo é frescura ou coisa que o valha.

Fiquei a pensar como seria a vida desse meu vizinho. Como só o vejo nos finais de semana, a imagem que fica é a de sujeito boa praça, sem maiores vaidades e que sabe levar as coisas sem ficar a se aborrecer à toa. Mas quem deve saber mesmo é a mulher dele, os filhos e amigos próximos.

Eu também acho uma boa estar vivo e acredito que é melhor viver sem complicar muito. Ficar reclamando o tempo todo só torna tudo pior, embora em alguns casos seja necessário. Afinal, fechar os olhos para todos os problemas não é sinal de sabedoria; é fuga ou, no mínimo, displicência.

No extremo oposto desse meu vizinho existe outra categoria de pessoas que implicam com tudo. Com esse tipo de gente não há acordo, é tolerância zero. A menos que o erro seja dele. Nesse caso, surge uma nova faceta, a do dissimulado.

Esse tipo quase perfeito, que prefiro chamar de ”falso perfeito”, geralmente é encontrado no local de trabalho. Ele se beneficia dessa espécie de hipocrisia corporativa existente em todo lugar onde há um chefe, um ou dois puxa-sacos, meia dúzia de iniciantes ambiciosos, uma secretária burra (com sorte, gostosa) e quatro ou cinco funcionários água com açúcar – daqueles que não interferem, servem apenas para formar quorum.

Essa composição é ideal para um “teatro do oprimido” tosco, recheado de insinuações, grosserias, teorias risíveis sobre jornalismo e outras baboseiras. Há quem fique profundamente impressionado, é o chamado assédio moral, do qual são vítimas os pobres diabos que morrem de medo de perder o emprego. A essa tarefa, os “falsos perfeitos” se entregam com prazer indisfarçável.

Mas nem todo dia é do caçador. Sempre chega o momento em que essas almas inseguras sofrem por não conseguirem camuflar as próprias limitações. Nessa hora cai a máscara, mas como o quintal é dele... pano rápido, nada acontece.

O falso perfeito também existe fora das empresas, mas tem as asinhas curtas. Quando não há interesse definido, cargo, salário ou posição, fica muito mais fácil distinguir sabedoria de babaquice – basta os interlocutores certos. Mas aí já é outra estória.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Respostas




Procurava por respostas e então consultei os monges. Descobri então a nobreza da virtude. Mas não aprendi como elevar-me acima da vida mundana. Sequer consegui livrar-me de alguns pequenos vícios, em mim impregnados como uma segunda pele. Forcei arrependimento, convencido que estava pelas palavras puras, e travei luta interna contra os pecados do corpo, da mente e da alma. Depois de um começo promissor, acabei de novo caindo em tentação. Ouvi: és um humano miserável, fraco e sem vontade.

Busquei então a companhia dos intelectuais, humanos como eu, mas donos de um pensamento sofisticado e símbolos da grandeza da raça. As palavras certas, no lugar certo poderiam inspirar-me e operar o milagre do renascimento. Mas tantas verdades ditas sem pudor quase me ferem de morte... Espantado, fugi, protegido justamente por minha humanidade falível e inconseqüente. Melhor não pensar, inferi, e de novo voltei às antigas perguntas.

Insatisfeito e melancólico, tive então a necessidade de proteção. Busquei-a nos poucos amigos, nos braços de gente próxima. Recebi carinho, recebi atenção. Mas quando abri meu coração por completo senti o diálogo se tornar um monólogo. Os braços que me envolviam se afastaram e, tal qual objeto decorativo, exemplo vivo de desgraça por ninguém desejada, colocado fui a um canto. E dos outros me tornei deplorável criatura, exemplo do que não ser. “Pare com isso!”, foram as últimas palavras que escutei antes de dar as costas e de novo partir.

Cansado, atordoado, fechei-me em pensamentos e chorei sozinho. O espelho se tornou ameaçador e insuportável. A alegria das crianças, o vôo dos pássaros, o caminhar distraído das moças, o zunir do vento nas árvores, o azul do céu, o marulhar das ondas, o balé dos peixes, o som das mais belas canções – nada me consolava.

Perdido fiquei a olhar o mundo pela janela. E não compreendia o sentido daquilo tudo, afinal. Respostas. Lentamente o silêncio foi preenchendo o vazio daquela manhã. E eu não desejava mais do que o silêncio naquele momento. E formulei uma pergunta diferente: Por que o silêncio em vez das respostas? Menos confuso, menos triste, menos atordoado, ergui o corpo, fechei a janela e passei um café.

Olhei de novo minha imagem no espelho e lembrei-me que nada é para sempre. Um dia, não sei quando, vou partir. Provavelmente sem ter a menor idéia do destino. Quando esse dia chegar, estarei pronto, independente de ter sido preparado, mesmo contra a vontade, ainda que não compreenda o sentido. Nesse dia, possivelmente irei olhar para trás e ver que perdi muito tempo procurando explicações. Talvez não, mas aí isso realmente não terá mais tanta importância.

Do pó vieste e ao pó voltarás. A única certeza desse mundo, segundo os monges, intelectuais e pessoas como eu. Nesse dia acho que terei as respostas, sem muita complicação. Mas sendo assim não é preciso pressa. Nem para viver, nem para morrer. Se viver sem pressa de encontrar respostas, estarei dando um passo e tanto - nesse momento descobri. E agora, o caminho parece bem mais simples. Nem quero saber por quanto tempo. Essa resposta eu terei, todos teremos, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde. Portanto, não importa.