segunda-feira, 5 de junho de 2017


À cidade pequena


Saio de férias e resolvo passar uns dias no interior. Quero esquecer que existe jornal, encontrar gente que não vejo há muito tempo, descansar. Ficar longe da Internet, rádio e televisão, na medida do possível.

A casa onde vivi permanece de pé. Quando deito no meu quarto e olho para o teto é como se voltasse no tempo. Antigas frustrações e alegrias misturadas a imagens difusas que surgem do nada, lembranças de situações agradáveis e desconfortáveis. Uma viagem a que me permito toda vez que tenho tempo de estar nesse lugar.

O gosto doce e amargo do existir se alterna na alma. Beijos e abraços imaginários, frases ditas num olhar. Uma lágrima brota no canto do olho. Sorrio e me sinto gente na solidão voluntária do quarto onde passei a infância e parte da adolescência. A ausência de meu pai e minha mãe ainda sentida, mas com o passar dos anos aprendendo a superá-la, escamoteá-la ao menos.

Quero desfrutar das coisas simples. Ser verdadeiro com poucos gestos, sem alarde. Evitar estardalhaço, rir dos pequenos equívocos, do inusitado que só aparece quando temos tempo e sensibilidade para perceber.

A cidade de pouco mais de 20 mil habitantes é alimento para a memória. De um lado, cadeiras na calçada, conversas noturnas na brisa fresca, as ruas de pedra. De outro, a vista da colina e o claro-escuro formado pelo verde do pasto molhado e a copa das árvores.

Deixo-me levar por uma preguiça mansa, que às vezes parece incomodar os apressados. Também os há na pequena cidade do interior e alguns são dignos de pena. Parecem procurar por algo que jamais vão encontrar.

Cavaleiro andante, visitante ocasional e inesperado, forasteiro e nativo. Confundo os bons observadores que já não me conhecem direito.

A vida segue, difícil, mas ainda permite intervalos. Viajar para uma pequena cidade onde se tenha um canto. E depois poder voltar para casa de alma renovada e sem vontade de mudar o caminho que escolhemos.