quinta-feira, 9 de abril de 2009

Houve um tempo em que queria ter nascido americano

Houve um tempo em que queria ter nascido americano. Do norte. Ter uma daquelas jaquetas bacanas e um tênis maneiro que via na TV, entre babando e triste por querer e saber que não ia ter. Tinha minhas roupas, evidentemente, mas da maioria eu não gostava.

E ficava a imaginar-me na rua, a porta do carro aberta e eu sentado numa mesinha na calçada ouvindo um som ao lado dos amigos e das meninas que fatalmente iam aparecer. Nessa hora, acordava e tinha e pela frente uma pilha de peças de automóvel queimadas no fogo para tirarmos os fios de cobre.

Era meu primeiro emprego e nada tinha de bom nisso. Ficava o dia inteiro esperando a hora de ir embora, lá pelas 6 da tarde. Ainda dava tempo de jogar pelada no campinho de terra perto de casa.

Daí em diante é puro delírio, esquecimento, histórias que ficaram para trás, lá atrás, quando ainda existia capim gordura, pamonha, fins-de-tarde luminosos, brincadeiras no quintal, as primeiras surpresas do amor e da liberdade de poder andar por aí sem ter muito com o que se preocupar.

O ruim é que lembrei-me da jaqueta ao pensar nos vinis que perdi com a chegada da maior novidade da indústria fonográfica, o CD, muito mais barato para produzir e reproduzir. O resto ficaria igual: direitos, distribuição, vendas, etc e tal. E as gravadoras deram o maior tiro, nem diria no pé, mas talvez na própria cabeça ao toparem a idéia e hoje assistimos à luta inglória da indústria contra a pirataria. Perdeu, baby.

Lançam uma coisa e logo aparece outra, gera um monte de sucata, um amontoado de plástico e todo tipo de porcaria descartada por aí, uma sensação de fim mesmo. Mas com o vinil aconteceu o contrário. Continuam únicos e ainda disputados.

Esse breve introdutório é para dizer que estou de saco cheio de novidade. Digo isso ouvindo rádio que estou, onde rola agora uma música brasileira da melhor qualidade, dessas eternas, de Dorival Caymmi a caminho de Maracangalha, com Anália a tira-colo, que a gente sempre torce por um final feliz nessa história. Até hoje.

Ouço muito bem, nitidamente, o som que rola na FM que agora posso acessar do computador, com essas caixas de som pequenas e boas; ou do celular, menos confortável por causa do fone que acaba sempre por machucar o ouvido.

E o pessoal sempre de aparelhinho novo no ouvido, em casa, no trabalho, nas empresas. Agora, com a crise, vem a notícia de um monte de demissões, mudanças, e quando melhorar vão anunciar cursos para formar uma nova leva de funcionários por causa de uma reorganização produtiva. Ou algo parecido.

Eu tenho por hábito torcer para o Fluminense, desde a época da jaqueta americana. Sofro feito um otário até hoje pelo tricolor, estou com dor de cabeça por causa do Botafogo, mas faz tempo que deixei de querer ser americano. Do norte. Gosto de ser sul-americano mesmo, brasileiro, mineiro e acredito que as coisas aqui poderiam ser melhores se houvesse a reparação de equívocos históricos, como a falta de uma política para a educação pública que poderia e deveria ter começado ainda no império.

Mas isso à primeira vista parece tão impensável quanto na época daquela bendita jaqueta. Em 2009 os tempos são outros e mudei, mesmo que o país não tenha mudado tanto nessas últimas décadas. Mudou na casca, mas não mudou na essência.

De todo modo, estou desencantado com a Política. Vivemos em plena democracia e as eleições se tornaram praticamente um hábito para a maioria dos brasileiros. Mas depois de vários embates eleitorais e tendo, especialmente, os mais recentes como lembrança, combinemos que não há muito o que comemorar. Há sim, o que mudar, há muito para melhorar. A começar no plano pessoal.

Passamos muito tempo preocupados em aprender as pequenas complicações do mundo, como usar o caixa eletrônico, o celular, o controle remoto da TV e esquecemos de interpretar direito o olhar de um filho, deixamos de retribuir um carinho feito com amor ou simplesmente não damos ouvidos a um murmúrio que, na verdade, é um pedido de socorro expresso com muita dificuldade.

Estamos presos ao nosso tempo, e por isso mesmo, devemos aprender a transitar dentro dele. Eis a mais dura, urgente e sábia tarefa a se entregar: compreender o próprio tempo. Para assim nele agir e mudar, primeiro, o próprio destino. Assim estará dado o primeiro passo na direção de um mundo melhor.

O segundo passo deve ser na direção da construção de uma sociedade melhor. Para isso dependemos uns dos outros e precisamos pensar um mundo onde todos possam viver em condições de igualdade. Nesse momento, teria, inevitavelmente, que voltar a falar de política. E teria que fazer um imenso esforço para acreditar que ainda vale a pena acreditar, mas vivemos tempos trabalhosos. E é melhor eu cuidar da minha vida, que o carnaval acabou.

(*) Jornalista

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